De acordo com o testemunho do NT e da igreja primitiva, o apóstolo João foi um dos principais líderes que deram forma ao curso do cristianismo, seja pelas suas obras (o quarto Evangelho, três epístolas e o Apocalipse), como pelo seu trabalho pastoral e missionário e a sua defesa da fé contra as ousadas investidas das falsas doutrinas dos gnósticos.
História pessoal
Os registros da Bíblia Sagrada fornecem consideráveis informações sobre ele, pelo menos mais do que está disponível sobre a maioria dos apóstolos. Seu pai era Zebedeu (Mc 1.2) e sua mãe era Salomé (Mc 15.40; Mt 27.56).
Fazendo uma comparação com João 19.25, é provável que Salomé tenha sido irmã de Maria, a mãe de Jesus. É provável que João fosse mais novo que seu irmão Tiago, pois com exceção de algumas passagens de Lucas (Lc 8.51; 9.28; At 1.13), o seu nome vem geralmente depois do nome de Tiago.
A família se dedicava à atividade da pesca, e havia servos que ajudavam ao pai e seus filhos (Mc 1.20). Uma sociedade havia sido formada com outra dupla de irmãos, Simão Pedro e André (Lc 5.10), e como os últimos viviam em Betsaida, na praia ao norte do mar da Galiléia (Jo 1.44), podemos concluir que este também era o lugar da moradia de João.
Embora o nome de João seja frequentemente mencionado nos Evangelhos Sinóticos, especialmente em Marcos, isso não acontece com o quarto Evangelho, que pouco se refere aos filhos de Zebedeu (Jo 21.2). Entretanto, existem várias referências ao discípulo “a quem Jesus amava” (Jo 13.23; 19.26; 20.2; 21.7,20) e a “outro discípulo” (Jo 18.15), que levou Pedro ao pátio da casa do sumo sacerdote. Como o companheiro de Pedro, algum tempo depois, era o discípulo amado (Jo 20.2), e como João está intimamente associado a Pedro, tanto nos Evangelhos Sinóticos como em Atos, seria razoável supor que o discípulo amado fosse João. Essa teoria pode ser apoiada ao considerarmos que a ausência do nome de João no quarto Evangelho, em vista de sua proeminência nos Sinóticos, pode ser mais bem explicada pela suposição de ter sido ele o autor do quarto Evangelho e que por alguma razão, provavelmente por modéstia, tenha preferido manter o seu próprio nome fora dos registros (em João 21.24 o escritor do Evangelho se identifica como o discípulo amado).
E bastante provável que João fosse aquele discípulo anônimo que, em companhia de André, passou várias horas ao lado de Jesus, depois que João Batista o indicou (Jo 1.35-40). Se assim for, isso significa que ele e alguns dos outros discípulos de Jesus tinham sido seguidores de João Batista antes de transferir sua dedicação ao Nazareno. Entretanto, o apelo mais definitivo ao discipulado veio um pouco mais tarde, na Galiléia, quando João e seu irmão Tiago foram convocados a deixar as suas redes e se tornarem pescadores de homens (Mc 1.19). Ainda mais tarde, quando 12 homens foram escolhidos para ser apóstolos, João foi incluído entre eles. Ele aparece como pertencente ao círculo mais próximo formado pelos três (Pedro, Tiago e João) que estavam com Jesus quando Ele ressuscitou a filha de Jairo (Mc 5.37), na ocasião da transfiguração (Mc 9.2), e na noite da vigília no Getsêmani (Mc 14.33). Em outra ocasião, André esteve presente com os três (Mc 13.3). Junto com Pedro, João recebeu o encargo de preparar a festa da Páscoa para Jesus e os demais apóstolos (Lc 22.8).
Se a referência em João 18.15 às relações existentes entre um certo discípulo e o sumo sacerdote realmente se refere a João, então parece bastante natural que ele não seja considerado apenas um simples pescador. E bem possível que a família de João possuísse alguns recursos. Provavelmente, sua mãe era membro daquele grupo de mulheres que forneciam a Jesus os meios para a sua subsistência (Lc 8.2,3; cf. Jo 19.25). Em João 19.26,27, temos a impressão de que a família mantinha uma casa na área de Jerusalém. Jesus sabia que ao entregar a sua mãe aos cuidados de João, Ele estava assegurando o seu conforto assim como o seu alívio espiritual. Embora estas sejam apenas conjecturas, podemos concluir que talvez tenha sido durante os dias de João na Judéia, como discípulo de João Batista, que ele tenha se estabelecido em Jerusalém e também tenha feito amizade com o sumo sacerdote. Ele desejava estar o mais próximo possível do novo despertamento que estava centralizado no ministério de João Batista.
Características
Uma parte do caráter de João pode ser vislumbrada através do epíteto que o Senhor deu a ele e a seu irmão Tiago. Embora o nome de “filhos do trovão” não possa ser explicado através do texto, ele parece se referir à disposição ou ao zelo desses irmãos, ou a ambos. Felizmente, alguns episódios registrados podem preencher esse quadro. João, por iniciativa própria, proibiu um homem de continuar a expulsar demônios em nome de Jesus, sob a justificativa de que ele não pertencia ao seleto grupo dos discípulos do Senhor. Cristo não desejava que seus discípulos se comportassem com tamanha mesquinhez, e por esta razão não deixou de censurá-lo (Lc 9.49,50).
Em outras duas ocasiões, João se aliou ao irmão Tiago na exibição de indesejáveis traços de caráter. Usando a mãe como uma intermediária, eles solicitaram lugares exclusivos de honra ao lado de Jesus quando o seu reino de glória chegasse (Mc 10.35; Mt 20.20). Ainda não tinham aprendido a crucificar a sua egoísta ambição. Em outra ocasião, a caminho de Jerusalém, os irmãos ofereceram-se para fazer cair fogo do céu sobre uma cidade de Samaria que havia recusado hospitalidade a seu Mestre. Aparentemente não entendiam que, para aquele que os havia convocado ao seu serviço, o uso do poder miraculoso para uma vingança era uma atitude completamente estranha e inaceitável (Lc 9.51-55). Eles eram, realmente, “os filhos do trovão”.
Apesar de sua fraqueza, e, talvez, até mesmo por causa dela, foi permitido a João desenvolver um íntimo relacionamento com o Senhor como o “discípulo amado”, aquele que se reclinou sobre o peito do Senhor na última ceia. Ele foi o primeiro do grupo apostólico a acreditar na ressurreição, baseado naquilo que viu no túmulo vazio (Jo 20.8). Foi a sua percepção que o levou a entender o Senhor ressuscitado como o responsável pela grande coleta de peixes (Jo 21.7). Referindo- se a ele, o Senhor indicou que um futuro totalmente diferente poderia lhe aguardar, diferente daquele que estava reservado a Simão Pedro (Jo 21.22).
Depois do Pentecostes
As informações sobre João, relacionadas ao período posterior ao Pentecostes, estão centralizadas em sua associação com Simão Pedro. Regularmente, ele assumia um papel secundário, contentava-se em deixar a iniciativa do discurso e da ação por conta do amigo. Por causa de sua participação na cura do paralítico (At 3.1, 4,11), ele foi levado ao Sinédrio juntamente com Pedro, e é quase certo que tenha feito alguma declaração, porque a coragem de ambos impressionou o Conselho (At 4.13; cf. v. 19). Esses dois apóstolos foram encarregados pelos demais de ir a Samaria e verificar os resultados dos trabalhos que Felipe havia realizado ali (At 8.14).
Algum tempo depois, quando seu irmão Tiago foi decapitado por ordem de Herodes Agripa I, e seu amigo Pedro foi aprisionado com a perspectiva do mesmo destino, João não foi incluído na perseguição. Gradualmente, a tradição adotou a idéia de que ele sofreu o martírio, principalmente com base (pode-se supor) na profecia de Jesus (Mc 10.39); mas Lucas não tinha conhecimento disso, e assim essa tradição posterior pode ser segura mente descartada. Nossa última visão de João na área de Jerusalém é fornecida por Paulo, quando se encontrou com Tiago, irmão do Senhor, e também com Pedro e João, para discutir a natureza do evangelho e o relacionamento deles com este, como servos de Cristo (G12.9). Nessa ocasião, João foi considerado como uma coluna da Igreja de Jerusalém. Pode ser que João tenha permanecido nessa cidade até os dias tumultuosos que antecederam o sítio da cidade pelos exércitos romanos, sob o comando de Tito, embora ele não tenha sido mencionado em conexão com a última visita de Paulo (At 21).
A partir do segundo século, os escritores cristãos falam sobre o trabalho de João na Ásia Menor, principalmente em Éfeso. De acordo com Apocalipse 1.9, João foi exilado na ilha de Patmos por causa de seu testemunho ao evangelho. Irineu afirma que isso aconteceu perto do final do reinado de Domiciano, que terminou em 96 d.C. (Eusébio, HE iii.18.3). O mesmo autor alega que João ainda viveu durante o reinado de Trajano, que começou no ano 98 d.C. (Against Heresies iii.3.4). João pode muito bem ter supervisionado o trabalho realizado nas várias igrejas da Ásia Menor, como aquelas que foram citadas em Apocalipse 2-3. Clemente de Alexandria informa uma variedade de ministérios nessa área, mesmo depois do retorno de João da ilha de Patmos, quando já devia ter uma ida de avançada, inclusive uma emocionante história de sua preocupação pastoral com um jovem que caiu em um comportamento ímpio depois de seu batismo. João se deixou capturar pelos ladrões, dos quais esse jovem era o novo chefe, aconselhou-o, orou com ele e o levou de volta ao Senhor e à Igreja (The Rich Man’s Salvation, p, 42).
Naquela época, o gnosticismo (q.v.) estava ganhando terreno, desafiando seriamente a fé apostólica. João mostrou que era capaz não só de manifestar amor pelos seus irmãos como ainda era, de alguma forma, o filho do trovão. Irineu relata, que, ao entrar em uma casa de banhos em Éfeso, ele saiu correndo dela, clamando: “Vamos sair da casa rapidamente pois ela pode cair, porque Cerinto, o inimigo da verdade, está lá dentro” (Against Heresies iii.3.4).